quarta-feira, 3 de abril de 2013

Guerra Civil - Estado e Trauma" conta as raízes históricas da violência no Brasil.

14 de fevereiro de 2005 - O Brasil vive em estado de guerra civil permanente. Há exatos 500 anos para ser mais preciso. A violência de hoje não é muito diferente da vivida pelos índios após o descobrimento ou pelos negros no tempo da escravidão. A opinião é do pesquisador brasileiro, Luis Mir, 48 anos, autor do recém lançado “Guerra Civil - Estado e Trauma” que conta as raízes históricas da violência no Brasil.
“O Estado nunca teve, seja na colônia ou na república, uma proposta de pacificação do país", afirma Luis Mir, “Sem o desarmamento e a desmilitarização de grupos dentro e fora do Estado haverá o risco de o conflito ser permanente ou de a guerra civil ser aceita como necessidade de sobrevivência do Estado”, alerta.
Depois de cinco anos de pesquisa – incluindo consulta a relatórios médicos feitos nos cinco maiores pronto-socorros do país – Mir, que tem formação em Medicina e é doutor em História, detalha no livro como funcionam os  mecanismos sociais e políticos que resultaram em cinco séculos de segregação e criaram imensas populações marginalizadas.
"As favelas se tornaram campos de concentração. Ali não existe saúde, não tem educação, só um cerco bélico e militar. Se sair, leva tiro. Não por acaso, as vítimas da violência são os mesmos desde sempre na história do Brasil: os pobres, os negros, os segregados. E em sua maioria jovens com menos de 25 anos”, afirma.
Na entrevista, Mir falou ainda sobre incluídos e excluídos, políticas de prevenção e pediu a reforma total da polícia no Brasil.
COAV – A classe média brasileira não reclamava tanto de insegurança nos anos 70 e 80 como hoje. O Brasil era mais seguro nessa época ou as elites só reclamam quando são atingidas
Luís Mir - Os conflitos sociais que afetam a sociedade brasileira deveriam ser discutidos social, étnica e economicamente, não policialmente. O que existe é uma luta exclusiva contra a criminalidade. Esse clamor pela segurança pública que existe hoje faz com que cidadãos comuns façam coro ao Estado pedindo o incremento das forças repressivas e a conseqüente remilitarização da sociedade. A violência contemporânea tem uma continuidade histórica clara: desde os bandeirantes, que matavam os índios em troca de ouro, aos capitães do mato, que seqüestravam os africanos fugidos das fazendas, o combate às etnias segregadas e confinadas tem sofrido constantes rearticulações por parte dos sistemas de controle. A partir dos anos 80 e 90, os traficantes de drogas se tornaram o novo inimigo social e interno. E o quartel desse inimigo é a favela negra e perigosa dos dias atuais.
Você acredita que uma polícia não-corrupta seria o começo da virada?
Antes de qualquer plano, projeto ou ação policial, é necessário limpar a polícia brasileira. De cima para baixo, em todos os escalões. Uma polícia democrática, desmilitarizada, preventiva, multi-étnica e pacificadora funciona politicamente como um inimigo interno formidável para o Estado. Sua prática democrática e universal quebraria a impunidade de setores públicos e privados.
O que você acha que da política de repressão no Rio?
A polícia do Rio de Janeiro é a mais letal do Brasil e da América Latina. Segundo pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes, 3.815 pessoas foram assassinadas pela polícia militar entre 1995 e 2001. As polícias do Rio de Janeiro e de São Paulo liquidaram juntas 1.295 pessoas em 2002. Os policiais americanos, em todo o território dos EUA, mataram 367 cidadãos. A polícia causa muito mais vítimas letais do que feridos. Os exames cadavéricos das vítimas comprovam o uso excessivo da força e evidenciam a ocorrência de execuções sumárias. Dos 895 registros de ocorrência de civis mortos por policiais militares, apenas 301 se transformaram em inquéritos. Destes, 295 foram arquivados e em apenas seis foi oferecida denúncia criminal. E nos seis casos em que houve denúncia, os acusados foram absolvidos.
Quais os caminhos possíveis e as chances de um jovem de favela conseguir hoje um futuro digno para ele e sua família?
O sistema educacional nega às massas o acesso à educação, evitando que se preparem para disputar renda, saúde, moradia, trabalho, cidadania. Essa incapacitação estável forma a base da pirâmide social. Temos um funil social programado. Suponhamos que essas pessoas sejam alfabetizadas num esforço supremo, ingressem em seguida no ensino básico e se preparem para o mercado de trabalho. Serão imprescindíveis milhares de professores, milhões de empregos, bilhões de renda transferida, entre outros fatores. É aqui que entra a programação. Obviamente, não serei instintivo ao grau de brigar com números, mas a questão é mais intricada: os efeitos das crises, da falta de acesso, da queda da renda, do desemprego, da carência alimentar e da assistência médica afetam a todos, ao mesmo tempo e em igual intensidade? Obviamente que não.

Você vê solução para a violência no Brasil?
O primeiro passo é, simultaneamente, desmobilizar, desarmar e desmilitarizar grupos dentro e fora do Estado. Sem isso haverá o risco de o conflito armado ser permanente ou de a guerra civil ser aceita como necessidade de sobrevivência do Estado. É problemático restaurar a paz em sociedades onde existe abundância de armas somada a uma crise social profunda, como é o caso do Brasil. Além da reconstrução e reforma imediata das instituições estatais envolvidas diretamente no conflito – forças armadas, polícias, judiciário, sistema penitenciário etc – a reversão do conflito requer um pacote macroeconômico que beneficie diretamente as populações penalizadas pela guerra e que sirva de transição para um programa de desenvolvimento transitivo mais longo.

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