quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Guerra às drogas só faz bem a quem lucra com o crime.

Levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) concluiu que nos últimos três anos, o volume de presos por tráfico de entorpecentes cresceu 30%, três vezes mais do que o restante do sistema penitenciário. O comércio ilegal em nada diminuiu nesse período. Mais de uma dezena de policiais civis de São Paulo, encarregados do combate ao narcotráfico, foram presos nessa semana, suspeitos de vender informações para traficantes ligados à principal facção criminosa do Estado. O que as duas notícias revelam em conjunto é o fracasso absoluto da guerra contra as drogas, que só tem servido para contribuir e vitaminar o próprio crime. Entre os presos, um número superior a 80% é formado por microtraficantes, operários de venda a varejo do entorpecente, facilmente substituídos. O problema é que estes jovens depois de encarcerados criam vínculos que acabam por fortalecer as próprias facções. As prisões se abarrotam, a polícia se degrada, o crime organizado ganha corpo. Sem nenhuma melhora para a saúde pública, que a lei diz tutelar. Poucas políticas criminais podem se dar ao luxo de promover tamanho estrago como essa. Política que, verdade seja dita, não se esgota no Legislativo. A tônica da repressão permeia também policiais, promotores e juízes, que em parcela considerável se mostram refratários até à aplicação de benefícios expressamente previstos na lei, como por exemplo, as penas restritivas de direito. O fator criminógeno da guerra contra as drogas é tão grande que daqui a pouco será possível discutir a apologia não daqueles que lutam pela legalização, mas justamente dos que sustentam a bandeira de mais e mais repressão. A proposta de internação compulsória de viciados em crack, tida como peça de resistência da política, só foi capaz de revelar o enorme déficit para o tratamento pelo sistema de saúde. Representantes do Ministério Público chegaram a denunciar a abertura indevida de vagas em hospitais por desinternações precoces de outros pacientes psiquiátricos mais graves. Se uma pequena parte dos milionários recursos dispendidos na repressão fosse diretamente destinado à saúde, esse déficit com certeza seria bem menor. Mas a depender das disposições de governos estaduais e federal, o dinheiro só não faltará quando os tratamentos se terceirizarem, abundando recursos a entidades mais ou menos terapêuticas, a maior parte delas religiosas. É bem provável que a guerra contra as drogas também derive assim pelo caminho da privatização, como quase toda política social dos últimos tempos. A saúde pública se deteriorou há décadas, abrindo largo espaço para as seguradoras que passaram a controlar a iniciativa privada. Mecanismo não muito distinto do que aconteceu com a educação, convertida progressivamente em uma mercadoria valiosa. A indústria da segurança privada floresce com o esquartejamento progressivo das polícias e as empresas já se ouriçam para oferecer respostas à superpopulação carcerária. Não é a má gerência dos serviços públicos que abre espaço para a privatização. É a volúpia do mercado que provoca o sucateamento do Estado. Enfim, se não fosse por outros motivos, só por seu alto custo, pela ineficiência e pelo paradoxal estímulo ao que se pretende reprimir, a guerra contra as drogas deveria ser seriamente repensada no país.
Por Marcelo Semer fonte: http://www.armabranca.blogspot.com.br/

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A fragilidade emocional dos agentes federais – Onda de suicídios assusta

Em um ano, 11 agentes da PF tiraram a própria vida. Atualmente, policiais morrem mais por suicídio do que durante combate ao crime. Conheça as possíveis causas desse cenário dramático Josie Jeronimo e Izabelle Torres DRAMA Em 40 anos, 36 policiais federais perderam a vida no cumprimento da função. Um terço desse total morreu por suicídio apenas entre 2012 e 2013 Vista do lado de fora, a Polícia Federal é uma referência no combate à corrupção e ainda representa a elite de uma categoria cada vez mais imprescindível para a sociedade. Vista por dentro, a imagem é antagônica. A PF passa por sua maior crise interna já registrada desde a década de 90, quando começou a ganhar notoriedade. Os efeitos disso não estão apenas na queda abrupta do número de inquéritos realizados nos últimos anos, que caiu 26% desde 2009. Estão especialmente na triste história de quem precisou enterrar familiares policiais que usaram a arma de trabalho para tirar a própria vida. Nos últimos dez anos, 22 agentes da Polícia Federal cometeram suicídio, sendo que 11 deles aconteceram entre março de 2012 e março deste ano: quase um morto por mês. O desespero que leva o ser humano a tirar a própria vida mata mais policiais do que as operações de combate ao crime. Em 40 anos, 36 policiais perderam a vida no cumprimento da função. Para traçar o cenário de pressões e desespero que levou policiais ao suicídio, ISTOÉ conversou com parentes e colegas de trabalho dos mortos. O teor dos depoimentos converge para um ponto comum de pressão excessiva e ambiente de trabalho sem boas perspectivas de melhoria. FALTA DE ESTRUTURA Agentes trabalham amordaçados em protesto contra condições desumanas de trabalho Uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) no ano passado mostrou que por trás do colete preto, do distintivo, dos óculos escuros e da mística que transformou a PF no ícone de polícia de elite existe um quatro grave. Depressão e síndrome do pânico são doenças que atingem um em cada cinco dos nove mil agentes da Polícia Federal. Em um dos itens da pesquisa, 73 policiais foram questionados sobre os motivos das licenças médicas. Nada menos do que 35% dos entrevistados responderam que os afastamentos foram decorrentes de transtornos mentais como depressão e ansiedade. “O grande problema é que os agentes federais se submetem a um regime de trabalho militarizado, sem que tenham treinamento militar para isso. Acreditamos que o problema está na estrutura da própria polícia”, diz uma das pesquisadoras da UnB, a psicóloga Fernanda Duarte. O drama dos familiares dos policiais que se suicidaram está distribuído nos quatro cantos do País. A última morte registrada em 2013 ainda causa espanto nas superintendências de Roraima, onde Lúcio Mauro de Oliveira Silva, 38 anos, trabalhou entre dezembro do ano passado e março deste ano. Mauro deixou a noiva no Rio de Janeiro para iniciar sua vida de agente da PF em Pacaraima, cidade a 220 quilômetros de Boa Vista. Nos 60 dias em que trabalhou como agente da PF, usou o salário de R$ 5 mil líquidos para dar entrada em financiamento de uma casa e um carro. O sonho da nova vida acabou com um tiro na boca, na frente da noiva. Cinco meses se passaram desde a morte de Mauro e o coração de sua mãe, Olga Oliveira Silva, permanece confuso e destroçado. “A Federal sabia que ele não tinha condições de trabalhar na fronteira. Meia hora antes de morrer, ele me ligou e disse: Mainha, eu amo a senhora. Perdoa eu ter vindo pra cá sem ter me despedido”. Relatos de colegas de Mauro dão conta que ele chegou a sofrer assédio moral pela pouca produtividade, situação mais frequente do que se poderia imaginar. Como ele, cerca de 50% dos agentes federais já chegaram a relatar casos de assédio praticados por superiores hierárquicos. Essas ocorrências, aliadas a fatores genéticos, à formação de cada um e à falta de perspectivas profissionais, são tratadas por especialistas como desencadeadoras dos distúrbios mentais. “A forma como a estrutura da polícia está montada tem causado sofrimento patológico em parte dos agentes. Há dificuldades para enfrentar a organização hierárquica do trabalho. As pessoas, na maioria das vezes, sofrem de sentimentos de desgaste, inutilidade e falta de reconhecimento. Não é difícil fazer uma ligação desse cenário com as doenças mentais”, afirma Dayane Moura, advogada de três famílias de agentes que desenvolveram doenças psíquicas. Os distúrbios mentais e a ocorrência de depressão em policiais são geralmente invisíveis para a estrutura da Polícia Federal. De acordo com o Sindicato dos Policiais do Distrito Federal, há apenas cinco psicólogos para uma corporação de mais de dez mil pessoas. Não há vagas para consultas e tampouco acompanhamento dos casos. Foi nessa obscuridade que a doença do agente Fernando Spuri Lima, 34 anos, se desenvolveu. Quando foi encontrado morto com um tiro na cabeça, em julho do ano passado, a Polícia Federal chegou a cogitar um caso de vingança de bicheiros, uma vez que ele tinha participado da Operação Monte Carlo. Dias depois, entretanto, descobriu-se que Spuri enfrentava uma depressão severa há meses. O pai do agente, Fernando Antunes Lima, reclama da falta de estrutura para um atendimento psicológico no departamento de polícia. “Os chefes estão esperando quantas mortes para tomar uma ação? Isso é desumano e criminoso”, diz ele. O drama de quem perdeu um familiar por suicídio não se limita aos jovens na faixa dos 30 anos. Faltavam dois anos para Ênio Seabra Sobrinho, baseado em Belo Horizonte, se aposentar do cargo de agente da Polícia Federal. Com histórico de transtorno psicológico, o policial já havia comunicado à chefia que não se sentia bem. Solicitou, formalmente, ajuda. Em resposta, a PF mandou dois agentes à sua casa para confiscar sua arma. Seabra foi então transferido para o plantão de 24 horas, quando o policial realiza funções semelhantes às de um vigia predial. A missão é considerada um castigo, pois não exige qualquer treinamento. No dia 14 de outubro de 2012, Seabra se matou, aos 49 anos. Apesar de estar perto da aposentadoria, a família recebe pensão proporcional com valor R$ 2 mil menor do que os vencimentos do agente, na ativa. Fruto de uma especial combinação de fatores negativos, internos e externos, o suicídio nunca foi uma tragédia de fácil explicação para a área médica nem para estudiosos da vida social. Lembrando que toda sociedade, em qualquer época, tem como finalidade essencial defender a vida de seus integrantes, o sociólogo Émile Durkheim (1858-1917) demonstrou que o suicídio é a expressão mais grave de fracasso de uma comunidade e que raramente pode ser explicado por uma razão única. Ainda que seja errado apontar para responsabilidades individuais, a tragédia chegou a um nível muito grande, o que cobra uma resposta de cada parcela do Estado brasileiro que convive com esse drama.
01/09/2013 por Flit Paralisante fotos: Cesar Greco / Foto arena; Adriano Machad fonte:http://flitparalisante.wordpress.com/