terça-feira, 23 de julho de 2013

‘MIOPISAR’: UMA ILUSÃO DE ÉTICA POR ANTONIO JORGE FERREIRA MELO POR ANTONIO JORGE FERREIRA MELO

PUBLICADO EM: http://aqueimaroupa.com.br/


A história das sociedades humanas, dos primórdios até a atualidade, tem sido uma história de permanente intolerância. Assim, sempre houve e sempre haverá justificativas e defensores racionais para os sentimentos e as crenças que levam seres humanos a hierarquizar, segregar e inferiorizar outros seres humanos, simples e absurdamente, em função de diferenças de credo, religião, cor, origem étnica e racial, gênero, orientação sexual, etc…

Campos da Líbia, Faixa de Gaza, Ruanda, China… Todavia, não é preciso ir muito longe para encontrar sinais de profunda intolerância, pois, não podemos esquecer que o ser  intolerante, para além das manifestações de ódio subjetivas, pode  representar um ódio fundado na razão e instrumentalizado em prol do sucesso de uns, tendo como preço a marginalização e a desigualdade impostas a outros, como nos alerta Yvonne Maggie.

Nesse sentido, sou forçado a concordar que não somos o país imaginado pelo historiador Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala,  pois, apesar da miscigenação ser um fato, a democracia racial é apenas um mito: “um belo mito” como diria Caetano Veloso.

Muito embora, entre nós, o racismo tenha se desenvolvido de forma muito específica e particular, porque, mesmo não legitimado pelo Estado, sempre esteve, como ainda está, presente nas nossas práticas sociais que, com certeza, vão muito além da construção do suspeito a ser abordado em uma blitz policial.

Como nos ensinou Paulo Freire: “a paz se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas”. Assim, não é sem razão que a nossa Constituição coloca a discriminação racial como um crime inafiançável e os negros, índios e estudantes de escolas públicas precisam de um sistema de cotas para ter uma chance real de entrar na universidade pública.

Em termos de luta contra a intolerância racial, impossível não lembrar de Nelson Mandela, justamente pelo seu exemplo de humanismo e de sabedoria profunda que, muito acima e muito para além do patamar previsível da mediocridade e do oportunismo ideológico, em lugar de promover o revanchismo e a vindita, sem “miopisar” seu  povo, soube unir brancos, mestiços e negros, soube fazer a pedagogia da responsabilidade individual e da reconciliação nacional na pátria do “apartheid”.

Miopisar! Deixar míope, dificultar a visão, distorcer o foco. O verbo criado por Paulo Freire, inexoravelmente, me faz lembrar que não basta que se almeje um Brasil no qual ninguém seja discriminado para, num toque de mágica, zerar as desigualdades causadas por séculos de exclusão social, discriminação, preconceito e racismo. Assim, por discordar dos negacionistas do nosso racismo de atitudes, também discordo daqueles que, no afã de reescrevem a história, a fim de legitimar suas teses particulares, buscam combater o preconceito com mais preconceito, causando mais discriminação e intolerância.

Nessa lógica, coerentemente com o pensamento paulofreiriano, também  “não creio em nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças, o torna opaco e tenta miopisar as suas vítimas”.

 Na linha de Gandhi, Martin Luther King e de outros grandes líderes que marcaram e engrandeceram a história da humanidade com a convicção de que a intolerância multiplica a intolerância, estimo que o exemplo legado por Nelson Mandela ensine aos que, em seu ativismo político, lutam contra a intolerância racial neste nosso país, a necessidade de se promover um combate contra a ilusão de ética e, para tal, como alerrta Paulo Timm: “é preciso abrir, sim os olhos das pessoas, mas sempre com o cuidado de não arrancá-los!”

fonte:http://aqueimaroupa.com.br/2013/07/18/miopisar-uma-ilusao-de-etica/comment-page-1/#comment-14556